sexta-feira, 26 de abril de 2024

crônicas

Um segundo infinito

Cláudio Pimentel

         Pincei a expressão “um segundo infinito” de uma canção que se sobressaia ao alarido de vozes e do som do rádio no carro. Tomei um tombo ao ouvi-la. Foi amor à primeira vista. Tanto que a pequena construção me fez ignorar cantor, música, passageiros e o furioso confronto entre nuvens e ondas do mar na paisagem cinza e chuvosa da manhã, na orla do Jardim de Alá. Miríades de devaneios em torno do tempo e das grandezas que nos acossam assumiram minha mente. Como não estava ao volante, dei asas aos pensamentos. E voei. Que sorte! Até as dores fantasmas deram trégua. A locução, belíssima, foi um bálsamo.

         Quebrado o encanto, desisti de procurar o autor da música. Tenho ligeira desconfiança de que sei quem é, mas escolhi evitar outras ideias que pilhassem minha mente. Pretendia viajar sozinho com a frase, como um ermitão. O tempo me fascina. É invisível. Não palpável. Um fenômeno inventado pelo homem, cujo controle perdeu. Agora tenta retomá-lo. E sua definição não é clara. Os estudiosos dizem que é “um componente de todas as formas de conhecimento humano, de todos os modos de expressão, e está associado às funções da mente”. Puro lero. Define qualquer coisa. Lembra outra invenção humana: Deus. Também fugiu ao controle e tornou-se indefinível.

         A expressão “um segundo infinito” é um quebra cabeça. Como é possível guardar o infinito no segundo? O segundo tem fim, assim como o minuto, a hora e o dia. O infinito, não. Existe. Não teve início e nem terá fim. É meio, apenas. Mas a interpretação está posta: guardar o tempo dentro do tempo. Então, “um segundo infinito” é uma parábola, fadado a interpretações. O segundo, presente na frase, sugere que houve um primeiro e haverá um terceiro, quarto... Vários infinitos infinitamente. O homem se tornaria imortal? O evento seria inesquecível? E o infinito cumpriria seu papel? Coisa para filósofos.

         Ao pé da letra, segundo é um número ordinal, mas permite compreensão que vai além. Em “um segundo infinito” soa como se quiséssemos o segundo (tempo) de forma infinita. Que aquilo de bom que ocorreu num segundo perdurasse uma eternidade. É o desejo dos apaixonados. Todos querem amar infinitamente, assim como também querem viver intensamente seus melhores momentos. O ser humano acredita que a ilusão é uma outra realidade. E fazemos isso porque a realidade nos nega o desejo do infinito. Quer ver? O ódio é finito ou infinito? E o amor, a discórdia e a paz? A chuva que lava tudo não é infinita. Coisa para poetas.

         Quando tomou consciência, o homem deu nomes a tudo. Desenhou a realidade à sua feição. Se bonita ou feia, não sei. Apenas desastrada. Prender o tempo dentro do tempo é uma metáfora à vida. Ao mesmo tempo que prende a ilusão, a realidade dos aedos e trovadores, nos aprisiona à nossa realidade. Encarna o rótulo da liberdade, mas maltrata, escraviza, inferioriza e nos limita. No reino dos dinossauros não existia nomes. Tudo existia sem um porquê. Não se sabia nem onde estavam. Nunca se soube de um Deusnossauro guiando-os. Hoje há quem nomine. Então, teria sido melhor que nos tivessem deixado lá onde também não estávamos. Aqui somos apenas um número.

Qual é o sentido da vida? Fazer um mundo melhor. Não é o que vemos. Habitamos um mundo instável, desatinado, que merece um minuto de silêncio eloquente. A novidade é a Inteligência Artificial (IA), que não vai nos eliminar como a bomba atômica, mas escravizar como em Matrix, cuja principal mensagem, “Conhece a ti mesmo”, dita ao herói “Neo”, merece nossa cuidadosa atenção. Caso contrário, um dia estaremos, como no filme, em úteros industriais fornecendo energia. As escaramuças entre Rússia e Ucrânia, Israel e Irã, EUA e China; e a presença de grupos terroristas de diversos matizes indicam o pior. A presença da IA nos campos de batalhas e a refrega da extrema-direita pelos governos mundiais agravam o cenário. Qualquer bandido pode ser eleito. Há uma nuvem pesada sobre nós. A estupidez e a ignorância são infinitas.

Cláudio Pimentel é jornalista

Tribuna da Bahia – 26.04.2024

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