sexta-feira, 3 de maio de 2024

crônicas

A morte do político

Cláudio Pimentel

         Em “Alice e o Prefeito” (2019), filme de Nicolas Pariser, o alcaide de Lyon, terceira maior cidade da França e uma das mais antigas, com 2 mil anos de existência, pede a contratação de um filósofo para ajudá-lo a reverter a longa pane de ideias que o acometeu. Com 30 anos de política e possível candidato à presidência do país, ele temia ter perdido a magia de encantar os eleitores, fossem de sua geração ou das novas, mais ariscas, plurais, céticas e exigentes. O prefeito, que jactava-se da antiga e rica criatividade, assistia agora seu rebanho dar adeus, dispersando-se para outros currais, particularmente os mais à direita.

         Ter ao lado um filósofo de plantão nunca foi novidade na história. Entre reis, imperadores, dinastias ou, mais recentemente, empresários, eles sempre estiveram presentes, compartilhando sabedoria e conhecimento. Além de prepará-los para os grandes desafios da vida e dos negócios, políticos ou comerciais, eles também tinham a missão de conselheiros. “Nero”, por exemplo, teve como tutor o filósofo Sêneca, autor, orador e dramaturgo romano. “Alexandre, o Grande” teve como preceptor Aristóteles, filósofo grego, considerado o gênio da antiguidade, autor da obra “A Política”. Hoje, políticos e empresários se cercam de marketeiros, consultores e pastores com o mesmo fervor. Porém, o resultado é duvidoso.

         Deputado eleito pelo Partido Socialista para o Parlamento Europeu (2014 - 2019), o filósofo francês Vincent Peillon, tem visão pouco otimista sobre o futuro dos políticos. A preocupação acima do prefeito de Lyon, é para ele motivo de estudo. Em “Elogio do Político – Uma introdução ao século XXI” (2018), Edições Sesc, Peillon coloca em debate o sentido da filosofia em nossa vida cotidiana, algo que foi colocado de lado, no século passado, quando episódios como o nazismo, as duas grandes guerras e o Stalinismo colocaram em xeque todas as utopias. A mistificação liberal e a falência comunista deixaram cicatrizes.

         Peillon explica que a figura particular do político se estabeleceu no Ocidente a partir da ligação entre certa forma de racionalidade e a cidade. Formou-se, desde o século VI, um modelo de pensamento que coloca as controvérsias e as decisões políticas no mesmo plano que o procedimento racional. Ou seja: há uma ligação entre filosofia e política, racionalidade e democracia. É uma evidência que filosofia e política são inseparáveis e que elas modelaram a democracia, mesmo que frágil. Por que, então, os riscos? O diagnóstico é que hoje não sabemos mais como resgatar essa ligação ou que nem mesmo a queremos mais.

Aristóteles disse que o homem é definido ao mesmo tempo como animal político e como animal racional, dotado de linguagem e argumentos, podendo perceber e discutir valores. A condição deveria garantir a sobrevivência do modelo, mas as pessoas e a sociedade de hoje não sabem mais o que querem. Previram que Deus havia morrido. Foi um erro. Depois que o homem estava prestes a morrer. Foi um erro também. Ambos se metamorfosearam e sobreviveram. Sobrou para quem: o “político”, “que está se desfazendo sob nossos olhos”, diz Peillon. Seria a morte do político?

A atualidade nos dá, diariamente, fatos que dizem sim: ouvir que o primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, não dará ouvidos a nenhum pedido de cessar fogo e invadirá “Rafa” contra todos e matando mais palestinos é prova de que a ligação filosofia e política foi dilacerada; saber que o presidente norte-americano John Biden está atônito com os protestos de alunos pró palestinos em universidades do país e não sabe o que fazer é mais uma ratada: e, por fim, ler que Trump apela às polícias norte-americanas para que desçam o malho nos “lunáticos furiosos” que protestam nas universidades, é a prova final de que o deboche se apoderou da política. E se repetem em qualquer lugar do mundo.

Cláudio Pimentel é jornalista

Tribuna da Bahia – 03.05.2024

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