sexta-feira, 15 de março de 2024

crônicas

A França é um país sério. E o Brasil?

Cláudio Pimentel

         Enquanto a França, inspirada, talvez, no Iluminismo que, um dia, guiou a Revolução Francesa, inscreve oficialmente o direito da mulher ao aborto na sua Constituição, o Brasil, inspirado numa provável e febril possessão conservadora, tenta emplacar uma PEC que trata do uso, porte e posse de drogas. O que dizer? Esmero em proteger o cidadão ao vício? Atender interesses dos segmentos que se arvoram a controlar os costumes? Confrontar o aparato judicial que analisa descriminalizá-la? Criar uma cortina de fumaça em ano eleitoral? Ou, então, atrair, num rompante de vaidade, os holofotes para o Congresso? Dois países, dois mundos, duas visões. Uma moderna e outra obscurantista. O que foi que o Brasil não entendeu?

         São dois temas que mexem fundo com os nervos do brasileiro - jamais com a razão. A simples menção é capaz de levar alguns a acusar a França de “assassina”; e o autor, que vos escreve, de fazer apologia às drogas. Erros crassos. Ao pé da letra, a decisão francesa foi aprovada pelo Parlamento, assinada pelo presidente Macron e fez do país o primeiro a tornar a interrupção voluntária da gravidez prevista na Constituição. Era um direito por lei desde 1975 e agora, um direito irreversível. Em um cenário em que a extrema direita renasce raivosa, a novidade, entregue às mulheres no 8 de março, foi um ato de vanguarda.

         Comparar as situações, que flutuam controversas em nossos canais jornalísticos, é sentir a atração do abismo. Como estamos longe de um debate maduro, criativo e sem ressentimentos! Tornar as drogas numa medida constitucional sem descriminalizá-las é esdrúxulo. Se nem a justiça ou os aparatos de segurança conseguem se entender sobre o assunto, por que a iniciativa? O debate precisa ganhar mais horas. Incluí-la na Constituição como cláusula pétrea, então, é um enigma que deveria chamar a atenção de todos os especialistas! Trata-se de um tema vivo, mutante, ao sabor dos tempos. Por que congelá-lo, incluindo-o na Constituição? Beneficia quem? As famélicas e violentas quadrilhas que as vendem nas comunidades? Claro que não. Seria demissão em massa.

         Muitos países passaram a conviver com as drogas, criando mecanismos que, entre outras coisas, a tira do mundo criminal. O Uruguai, que está aqui pertinho de nós, fez isso. Portugal, que nos deu régua e compasso, também descriminalizou as drogas. Os EUA e a Alemanha já percorrem o mesmo caminho. Ninguém morreu. Por que fazer o caminho contrário? São os tubarões que cuidam do atacado da droga e residem nos bairros chiques de São Paulo, Rio e Salvador, que querem? É difícil. Descriminalizar mexe no caixa. Eles querem distância de CNPJs, impostos e concorrência às claras, como existe com cigarros e bebidas. Nem a polícia quer a descriminalização. Retira a justificativa para entrar nas comunidades pisando nas portas.

         A beleza não é compatível com a vida moderna. Ela está cheia de metáforas, encruzilhadas e atalhos. Tanto o aborto quanto as drogas são assuntos explosivos. O mesmo elogio a um pode ser do outro e vice-versa. E sendo assim são presas fáceis para manipuladores. Entendo apenas que as bocas-de-fumo devem ser extintas por falta de uso. Que as crianças não percam aulas e nem seus pais um dia de trabalho por causa de tiroteios. Chega de crianças e mulheres atingidas por balas perdidas. Chega de noticiosos que nos dão bom dia com o sangue escorrendo pela boca. Enquanto não houver regras para o consumo de drogas, não encontraremos a saída do labirinto em que nos encontramos. Que a consciência de nossos legisladores se ilumine. Não é hora de barganhas. Miremos a França.

Cláudio Pimentel é jornalista

Tribuna da Bahia – 15.03.2024

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