sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

crônicas

Contradições do querer

Cláudio Pimentel

         Todos se queixam da vida, mas todos querem ter vida longa. Uma contradição, não é? Acredito, porém, que seja bem mais que isso. Não é exagero dizer, por exemplo, que hoje qualquer um de nós conhece outra pessoa que se queixa 24 horas. Conte nos dedos a presença delas e se surpreenderá. Eu fiz isso e me surpreendi. Há uma epidemia de chorões que não conseguem dar um passo sem discursar sobre seus infortúnios. Um sem fim de insatisfações que mergulham nos aspectos sociais, como o marido que só pensa em cerveja e a mulher que controla tudo na casa, ou em generalidades, como o chefe que não valoriza o trabalho tanto de um quanto de outro - só tem olhos para os dóceis. São “vítimas”.

         Quando percebo o desperdício, cujo nível de reclamação tornou-se insano com a introdução da política solerte e dolosa, pergunto-me: Será que não há mais espaços para pensar a vida? Hoje, as queixas superam os 40 graus, cuja sensação térmica pode chegar aos 50. Não se fala noutra coisa, que não de clima, no país. Os jornais e telejornais viraram espalhafatosas estações meteorológicas onde o fato não é mais fato, mas os superlativos: incrível, impressionante, surpreendente, extraordinário. Assim exclamam nossos boquiabertos âncoras ou moços e moças do tempo. O clima é o armagedon da hora. E a dor da perda, a cereja do bolo. Há dois tipos de dor: a que nos faz mais forte e a inútil. Somos de uma inutilidade atroz. É o fenômeno reduzido à variedade, num patrocínio do Banco Feliz. Estou derretendo!

         É preciso pensar para viver. Não podemos mais ser conduzidos por ondas movidas pela frivolidade dos meios de comunicação e seus interesses paroquiais. Por que as cidades alagam com as chuvas? Por que as estradas se desmancham com as chuvas? Por que as casas pobres se despedaçam com as chuvas? Por que as pessoas são levadas e mortas pelas chuvas? Que tempestade sem fim! O que fizeram as autoridades públicas ou, então, o que deixaram de fazer? Por que somos inundados com tantas tragédias? Quem vai pagar por isso? Nós as merecemos? Como atores ou como espectadores? Pensar a vida é fazer como Sócrates: perguntar, perguntar e perguntar até encontrar a resposta precisa, a ideia verdadeira, que nos instrua e nos sacie, a mim, a você e à comuna. Para o filósofo, trata-se do princípio de investir em buscar o tesouro e encontrá-lo.

         Não tenho nada contra quem se queixa. Palmas para eles. É preciso reclamar, mas o alvo é a joia de Sócrates: a verdade. Quando vamos à rua, vestimos a melhor roupa. Quando vamos ao restaurante, pedimos o melhor prato. Quando vamos à festa, levamos o melhor presente. Por que, então, quando se trata de ideias, serve a que nos dão e não a que buscamos com desejo? Ninguém me dá dinheiro. Por que, então, não desconfiar de quem nos empurra ideias gratuitas? Por que negligenciar uma boa ideia por outra qualquer? Por que queixar-se do time do coração pela má fase e torná-la um tormento? Fuja da manipulação. Só o político não teme se a esmola é demais. Por que o cotidiano incomoda? Chega de alimentar-se de arrependimentos, frustrações e perdas. Viva a vida. Viva o real.

         A língua portuguesa é bem diferente das outras línguas românicas. Trata-se de um valor caro para nós que falamos o Português. Isso começou na Idade Média, quando a língua, seja qual fosse a origem, era considerada uma “Expressão da Arte”. Os lusos, diante de tão grande desafio, decidiram, então, que fariam da língua portuguesa a mais bela das belas. Algo tão exponencial que sua existência encantaria os Deuses, tornando-a a língua que mais se aproxima do que se cultua como Arte. É a partir dessa ideia que devemos cultivar o desejo de buscar a ideia que também encante os deuses e a verdade que os encantem também. Tem horas que o passado deve nos iluminar. Vai melhorar o presente e inspirar o futuro.

Cláudio Pimentel é jornalista

Tribuna da Bahia – 26.01.2024

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