sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

crônicas

Desejo de conhecer

Cláudio Pimentel

         Ah, Aristóteles! É uma pena que não esteja mais entre nós e um alívio, pelo menos, para você, que um dia declarou: “Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer”. Não é assim. Apesar de verdade, ela vem se desmilinguindo, com a velocidade de uma Ferrari, desde a segunda metade do século passado. Se não for a vida dos outros ou dos ídolos de plantão, nada mais causa curiosidade ao ser humano. Conhecer e pensar em qualquer coisa fora da bisbilhotice das TVs e redes sociais tornaram-se coisas tão chatas quanto esperar um delivery atrasado, ser excluído do home office no emprego ou perder um episódio do BBB.

         Nesta semana, fui comprar o pão e me deparei com algo inusitado. Um dos jornais, estampado ao lado do caixa da Padaria, estava de “bruços” sobre o balcão. Estranhei. Gosto de comparar as manchetes e escolher a melhor do dia. Então, desvirei a pilha de exemplares e, ao ver a capa, desconfiei de censura. O jornal trazia a foto de uma bela mulher em trajes de povo-de-santo e fazia menção à Festa do Bonfim. Alguns evangélicos trabalhavam no local. Será, pensei? Saí e fiquei espreitando de longe. Não deu outra. Uma moça se dirigiu ao local e virou a pilha novamente. Ninguém mandou. Ninguém pediu. Foi voluntário.

         Não é a primeira vez que vejo algo assim. Em outro estabelecimento, na mesma região, ocorreu algo parecido. O proprietário estava no caixa e ouvia o rádio. Aproximei-me e percebi que era uma emissora evangélica e um pastor com boa fluência falava sobre direitos e deveres de um crente. Lembrou que havia na mídia muitas recomendações sobre a importância dos livros, que era um companheiro perfeito e tal. Minhas orelhas se esticaram. Ele não fez menção negativa ao livro, mas foi oblíquo. Disse: “Ler é bom, mas algumas pessoas sentem dificuldade, não gostam, cansam. Deixar de ler um livro não faz mal. O que não podemos é deixar Jesus. Esse, sim, é o companheiro”.

         Há outros exemplos que nem vale a pena citar. Mas eles somados me levam a crer que há um movimento silencioso, no Brasil, buscando negar tudo aquilo que o iluminismo nos trouxe: a valorização da razão em detrimento da fé como forma de entender o mundo e os fenômenos da natureza. Algo que se acentuou no país e ganhou até bancada no Congresso, que é um atraso só. O professor Mangabeira Unger, que dá aulas em Harvard, ao ser entrevistado pelo jornalista Mário Sérgio Conti, na Globo News, falou sobre a importância de o país avançar social e economicamente. Segundo ele, o Brasil se desindustrializou muito rápido, sendo urgente uma retomada, mas não nos moldes que estão aí.

         Unger defende uma reindustrialização que foque na “economia do conhecimento”, que mantém íntima relação com a tecnologia e a ciência. Ele diz que é necessário incluir o contingente de brasileiros que acredita que a solução é o pequeno comércio ou a pequena lavoura e levá-lo a esse patamar moderno. O grupo, que não pertence à burguesia clássica brasileira, mas acredita pertencer, precisa, de acordo com o professor, ser resgatado. É ele que, com a força dos movimentos neo pentecostais e evangélicos, está tentando mudar o rumo do país, mas, infelizmente, para trás, à Era Medieval. E o Brasil tem que escapar dessa armadilha e ir em frente, no mínimo, à Era Espacial.

O engajamento contra a ciência, os acampamentos nos quartéis e os atos golpistas de 8 de janeiro do ano passado são sintomas de que é preciso dar luz a esses grupos e condições para integrá-los numa nova vanguarda. Não só eles, mas todos. Há alguns anos, quando meu filho era pequeno, tivemos que encontrar uma Babá. Como eu e minha mulher saíamos cedo e voltávamos tarde, pouco a víamos, mas pelo telefone tínhamos notícias de que era boazinha, tímida, estranha e que não gostava de televisão. Um belo dia, chego em casa mais cedo e a vejo em pé, na sala, feito um soldado, de costas para a TV, que entretinha meu filho. Era evangélica. Foi um choque!

Cláudio Pimentel é jornalista

Tribuna da Bahia – 12.01.2024


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