sexta-feira, 13 de outubro de 2023

crônicas

Árabes e judeus, primos seculares

Cláudio Pimentel

         Havia prometido a mim não entrar na seara do conflito entre Hamas e Israel, mas empaquei. A estupidez covarde e grandiloquente da guerra que se avizinha, o tamanho da riqueza cultural de povos tão belos, árabes e judeus, e a origem mítica de ambos, presente nos livros sagrados, me impediram o silêncio, tão imperdoável quanto seria nas narrativas do livro dos livros do imaginário árabe, “As mil e uma noites”. A tradição é contar. Afinal, primos de origem, árabes e judeus têm mais afinidades do que diferenças. E narrar é uma delas. Nós, descendentes de ibéricos, não somos diferentes. O que corre em suas veias, é provável que corra em frações nas nossas também. Eles habitaram a Península Ibérica do século VIII ao XV. Uma eternidade que nos alcançou.

         Maktub é uma palavra em árabe que significa "já estava escrito". E o que houve na Faixa de Gaza é uma tragédia anunciada há anos. A forma como vinha sendo engendrada, pelos ferozes Hamas e Governo Netanyahu, dava claros sinais de que só promoveria dissolução, dor e luto. Eles não têm compromissos com a vida. Matam pelo que é mesquinho, desprezível, apocalíptico. Medem forças escondidos atrás de inocentes, os quais usam como escudos à prova de mísseis. O palestino de Gaza vive dois pesadelos: de estar num campo de “concentração”, onde o governo israelense controla fornecimento de água, energia, alimentos, entrada e saída de pessoas; e de conviver com as milícias terroristas do Hamas, muito mais ameaçadoras que as perigosas milícias cariocas.

         O noticiário de Israel é trágico. Apenas o ódio se sobressai. Nem precisa de lupa para ver. O comando militar de Israel avisa que o número 2 do Hamas, estrategista das ações terroristas, já é um homem morto. Sua residência foi o primeiro alvo bombardeado, mas ele não estava lá. O número 1, por sua vez, está no Qatar, exilado. Traja terno, gravata e está acima do peso. Não vale o que come. Deveria estar em Gaza. Netanyahu e os números 1 e 2 do Hamas estão fadados a repetir Bin Laden. Mais repugnante, porém, é assistir, na TV, “peregrinos” cristãos comemorando que Deus os amava e concedera um livramento a eles. Motivo: saíram de Jerusalém um dia antes dos bombardeios. O que dizer para os que ficaram? Que Deus os odeia? Disparates que envergonham a inteligência.

         É o típico raciocínio que prevalece entre árabes, judeus e cristãos: acreditar que Deus é apenas de um deles. Que exalta um grupo e condena o outro, justificando atrocidades. O Deus do Hamas aprova sequestrar civis, jogar bombas nos “inimigos” e condena quem as dispara contra si. Demonizam Israel, ataca-o sorrateiramente e querem flores como resposta. Piada! No caminho inverso, lideranças judaicas não querem o estado Palestino e despejam bombas sobre civis desamparados como se isso agradasse seu Deus. Mentecaptos! O louco Hamas adiou por muitos anos a criação de um Estado Palestino. E assim como a Rússia de Putin, a egoísta Israel se juntou ao ignóbil grupo de genocidas, que surgem, de tempos em tempos, para macular o pouco de humanidade que nos resta.

         O ódio no Oriente Médio é forjado pela situação política criada em torno de dois povos que sempre viveram em paz e no mesmo espaço, a Palestina. Alimenta que o ódio entre eles é ancestral e faz parte da cultura de ambos. Mentira! Segundo o livro do “Gênesis”, árabes e judeus nascem em tribos formadas pelos irmãos “Ismael” e “Isaac”, filhos de “Abraão”, que é filho de “Sem”, este um dos três filhos de “Noé”, que sobreviveu ao dilúvio. “Ismael” é o patriarca dos árabes e “Isaac”, dos judeus. Irmãos que deram vida a povos primos. Linda história que se dilui diante de interesses escusos dos tempos modernos. Diz a lenda que Ulisses, de Homero, fundou Portugal. Que é o mesmo que dizer que nós, brasileiros, temos Ulisses como ancestral de sangue. Outra linda história mitológica, que fica para depois. Por hora, não existe povo que negue sua origem mítica ou abra mão de utopias. Sem elas, ficamos órfãos.

Cláudio Pimentel é jornalista

Tribuna da Bahia – 13.10.2023

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