sexta-feira, 6 de outubro de 2023

crônicas

Marca expressa emoção?

Cláudio Pimentel

Há 25 anos, quando a carreira de assessor de imprensa, finalmente, se livrou das desconfianças que pairavam sobre a relevância da profissão e se desfez de quaisquer dúvidas sobre sua ética nas ações, estratégias inovadoras de Comunicação na construção de marca, reputação e imagem foram se avolumando no mundo empresarial e público. Os agentes econômicos vislumbraram o quão importante elas seriam para os negócios. Hoje, num ambiente tão competitivo e assediado 24 horas pelas redes sociais, poucos sobrevivem sem adotar estruturas que os conectem ao mundo da mídia.

Foi nesse período que vi uma das ações mais surpreendentes na proteção de marca e imagem. Não imaginava que poderia ser algo tão sutil. Simples até, diria. A organização em que trabalhava havia me transferido para uma de suas unidades em outro estado. E o CEO entronizado iria nos fazer uma visita “motivadora”. Vale recordar que o grupo, formado por várias empresas, estava se fundindo numa só, muito mais poderosa. Era a solução para os negócios à época: sinergia. Produção maior, custo menor e mais retorno financeiro aos investidores.

A unidade estava frenética com a visita do CEO, escolhido por “headhunters” locais e internacionais. A empresa tinha contratado o Lionel Messi dos negócios industriais, dono de mais bolas de ouro que “La Pulga”, do Barcelona. A ansiedade, portanto, tinha sua razão. A unidade ganhou pintura, os jardins, tratamento, e as cortinas, glamour. Os vidros foram lavados e os novos tapetes das portarias traziam estampado, em branco, a marca da organização. A unidade parou para conhecer o “boss” e suas ideias. Um sucesso só. Os tapetes, porém, foram guilhotinados.

“As marcas precisam conectar-se com a cultura e alcançar o coração das pessoas”, ensina o especialista em marcas, Marc Gobé, autor de livros sobre design emocional e humanização das marcas. Em “Brand Jam: o design” (2010), Gobé defende que o design é como o jazz, um ritmo em permanente evolução, seja enquanto música viva ou história da música. Para ele, o design é um reflexo da alma ou do ecossistema humano, como prefere classificar. E assim deve ser o design: mutante, acompanhando o tempo, o Homem e suas transformações.

Do ponto de vista emocional, as marcas atingem valores como cidadania, liberdade, status, harmonia e confiança, que, respectivamente, se traduzem em amor ao mundo, à emoção, à classe, à tribo, à ética. Valores que se forem assertivos nos fazem bem ou, do contrário, fazem mal. Não sei até onde os tapetes guilhotinados no evento atingiram alguns desses itens. O CEO condenou o uso da marca neles, alegando sua função: dispostos no chão, onde todos pisam, esfregam seus sapatos ou os limpam, se pisarem em chicletes ou cocôs de cachorros.

“Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”, escreveu Saint Exupéry no imortal “O pequeno príncipe”, um clássico da literatura infantil, lido por várias gerações desde a sua primeira impressão, em 1943, ainda no caos da Segunda Guerra. Só a Bíblia e o Alcorão foram traduzidos mais vezes que ele, que de maneira singela aponta como os adultos são incapazes. Gobé, como eu, deve ter lido o livro, que traz uma infinidade de lições sobre nossos desejos e a dificuldade ou displicência em alcançá-los.

A dificuldade, talvez, da marca em expor sua humanidade à nossa humanidade esteja no emocional, que, em nós, é mutante e na marca não é. A desilusão é grande quando esbarramos em organizações que acertam no design, mas erram nas ações. As empresas, por exemplo, envolvidas no tsunami de lama de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, e na implosão de bairros de Maceió, em Alagoas, têm marcas e design muito expressivos, mas distantes dos eventos que protagonizaram. Não há emoção que se emocione por mais belos que sejam.

Cláudio Pimentel é jornalista

Tribuna da Bahia – 06.10.2023

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